sábado, 22 de setembro de 2012

ECLIPSE



Inês Peixoto fala com uma voz mansa e delicada como só os mineiros têm. Enquanto degusta uma taça de vinho Cabernet, e aguardando sua janta, penne ao  molho de rúcula com camarões, ela comenta: "havia um conto que eu realmente era apaixonada, significava muito para mim. Era um texto que me emocionava muito toda vez que eu lia ou usava nos ensaios, e eu queria muito que ele estivesse em cena. Mas ele (Jurij Alschitz) não quis. Foi uma dor muito grande ter que se desapegar de um texto de Tchékhov que me tocava tanto. Esse foi um desafio para nós, que sempre fomos um grupo 'barroco'. Entender que o que ele queria era a filosofia."




O projeto Viagem a Tchékhov teve início em 2010 e gerou dois espetáculos diferentes a partir da obra do escritor russo: Tio Vânia (que já esteve em cartaz em Porto Alegre) e, agora, Eclipse. O numeroso grupo Galpão dividiu seu elenco nesses dois projetos. Como já é praxe, contrataram diretores de trajetórias diferentes. O desafio tem sido uma marca nos últimos anos.

Em Tio Vânia, Yara de Novaes já propunha uma linguagem diferente que a que o público estava acostumado em ver da companhia mineira. Agora, em Eclipse, o diretor (e também dramaturgo, cenógrafo, figurinista e treinador) Jurij Alschitz causa um grande choque: palco branco, nenhuma música, nenhum efeito. Em tudo se sugere um não-tempo, um não lugar. Uma pausa no intervalo dos segundos corridos para se extrair o que há de mais racional e filosófico em uma seleta de contos de Tchékhov. Seria o mesmo grupo que encantou recentemente Porto alegre transformando a Usina do Gasômetro em uma aldeia medieval com o espetáculo Till?


Eu pergunto: como nascem os projetos dentro do Galpão? Júlio Maciel (integrante mais jovem, diretor de Till), que parecia completamente distraído e alheio a tudo que se passava ao seu redor, do outro lado da mesa, batalhando para vencer todos os camarões do seu prato, responde: "os projetos nascem daquilo que identificamos que estamos precisando. Identificamos as carências e buscamos nos novos projetos dominar aquilo que nos falta.". Inês complementa: "todas as decisões são em reuniões coletivas, discutidas a portas fechadas."

Eclipse foi montado ao longo de seis meses, com a participação direta do diretor russo em três. Alschitz vinha a cada dois meses ao Brasil e ficava durante trinta dias. Durante sua estadia, o elenco sofria. Cortes e mais cortes de material levantado. O russo parecia querer extrair toda a poesia que os atores poderiam enxergar na obra pesquisada. Alschitz queria o essencial, o questionamento da vida e do futuro que construímos que só a palavra de Tchékhov consegue alcançar. Para o diretor russo, se Tchékhov tivesse conseguido prosseguir com sua obra, o encontro estaria no teatro de Brecht. Talvez por isso uma montagem tão distante de toda a emoção que o público estaria disposto a alcançar.



Eclipse tem sua última seção no 19° Poa em Cena nessa sábado às 21h no Theatro São Pedro. Vale a pena conferir. E o próximo desafio do Grupo Galpão já tem nome: Pirandello. E o próximo diretor, que trará dúvidas sobre o que já é dominado, será Gabriel Villela. "Ele quer exatamente mergulhar na explosão do melodrama" diz Inês. Em 2013, mais uma faceta dos trinta anos do Galpão vem aí. E que venham mais trinta para também nos desafiar.

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