terça-feira, 18 de setembro de 2012

PREFIRIRIA NÃO?

"I would prefer not to."






 É com essa frase que Herman Melville (1819 - 1891) coloca em cheque a obediência e o ideal de progresso e cria um herói da resistência passiva em Bartleby, o Escriturário, conto de 1853, publicado na Putman's Magazine anonimamente. É a saga de um funcionário que um dia responde, após a ordem do patrão, com a frase "preferiria não". Um texto rápido, que pode ser lido de diferentes formas, e que apresenta um final trágico diante a postura de sua personagem.

Considerado por muitos anos uma obra secundária na trajetória de Melville, conhecido por Moby Dick, o conto ganhou real notoriedade após Jorge Luis Borges considerá-lo como uma das obras mais importantes da humanidade. Pelas idéias do texto, poderíamos dizer que diversos autores do século XX beberam deste mesmo impulso: de Bukowski a Beckett, passando por Franz Kafka. 

Denise Stoklos bebe da mesma água em seu monólogo "Prefiriria Não?". Se enlaça em todo o viés político da obra de Melville e descorre 1h45 minutos de uma performance com a assinatura de uma artista que ainda resiste, mesmo que passivamente, às dificuldades de realizar seu trabalho (ou sua obra).

Bartleby é a trajetória de todo o trabalhador que decide não seguir sua natural condição de obedecer. É uma figura literária que consegue com maestria estar, ao mesmo tempo, dentro e fora do sistema que participa, integra e ao mesmo tempo critica, uma vez que sua resistência gera um conflito incapaz de ser solucionado.

É uma leitura que pode ser ampliada a toda a classe trabalhadora, levada a se questionar até onde possui efetiva autonomia sobre suas ações dentro de um espaço de trabalho. Mas se deslocarmos, ainda, esta mesma leitura, aplicando-a sobre o âmbito da condição dos artistas dentro do sistema de produção cultural, veremos que o espetáculo de Denise é um duro retrato sobre uma realidade em que profissionais sobrevivem a esparsas migalhas.

Na noite em que vi Denise e seu espetáculo, estavam na platéia espectadores ilustres: o governador do estado Tarso Genro, em companhia da primeira-dama. Poderia ser uma armadilha para Denise. Talvez fosse a hora de recolher um pouco a artilharia, afinal estava ali o prefeito responsável pelo surgimento do Festival Porto Alegre em Cena. 

Mas o que se viu foram verdades que soavam como incoveniências para qualquer representante da ordem pública e do estado como agente fomentador da cultura. Incoveniências para qualquer representante de uma aristocracia política que segue se ocultando diante os problemas que assolam essa mesma classe operária, que, ao contrário de Bartleby, seguem aceitando, e suportando, todas explorações que as brechas legais permitem em nossa social democracia.

São artistas como Denise Stoklos que deveríamos nos inspirar, para além de toda idolatria, preconceito ou não-gosto. Artistas que assumem seu papel e arriscam, diante de uma platéia burguesa, a revelar, através da arte, todas as fissuras do comportamento humano contemporâneo.

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